Emojis: Falsamente fúteis, enganosamente complexos

Carmen Beer
5 min readFeb 5, 2020

A internet surgiu e as possibilidades de comunicação explodiram, mas as vezes me pergunto se regredimos. Adeus cartas cuidadosamente escritas, bem-vindas mensagens minimalistas com emojis sugestivos e nudes auto-explicativos.

Sexting Emojis

Sou fascinada pela troca de correspondência dos romances escritos nos séculos XVII ou XVIII. Em Orgulho e Preconceito, os personagens esperam meses para receber as respostas das cartas enviadas aos seus amores, sem saber se elas de fato chegaram aos seus destinatários. Cada palavra era preciosamente escolhida, os textos se estendiam sobre várias páginas, o papel era perfumado e selado. A troca de cartas ocupava um lugar tão especial nas comunicações que acabou dando vida a um dos gêneros mais encantadores da literatura, o epistolar, que conta uma história apenas reunindo correspondências entre os personagens.

Dangerous Liaisons (Laclos, 1782) epistolar novel
As ligações perigosas, um romance epistolar

E hoje? Nossa comunicação é múltipla: textos competem com fotos, gifs, audios, vídeos, TikToks, memes. Quando usadas, frases são encurtadas e textos são atropelados para acompanhar nosso ritmo desenfreado de trocas e conversas. Usamos outros formatos mais ágeis e mais visuais, mais alinhado com nosso tempo.

Emojis ganharam nossa preferência e ocupam um lugar cada vez mais vez privilegiado no nosso cotidiano. O emoji “tears of joy” foi escolhido pelo Oxford Dictionary como palavra do ano em 2015. O mesmo emoji foi escolhido pelo importante escritor francês Frédéric Beigbeder, como título do seu último livro, lançado esse ano. Itaú desenvolveu toda sua plataforma de comunicação em cima de emojis. Também viraram filme e fantasia de carnaval.

Como e porque emojis invadiram nossas vidas? Estamos sendo “emojizados”? Isso é bom ou ruim?

French author Frédéric Beigbeder's last release

Emojis estão em todos os lugares por eles tocam todo mundo, da sua tia da cidade do interior aos seus amigos gringos descolados. Seus ícones têm um forte apelo emocional que atravessa gerações e fronteiras. Um estudo mostrou que nosso cérebro interpreta um smiley do mesmo jeito que interpreta uma ilustração real de um rosto sorrindo. Passamos assim emoções que nem sempre conseguimos falar com palavras, e que todos conseguem interpretar, ainda que de formas diferentes.

Fonte: Twitter

Emojis adoçam nossas relações: Não por acaso, os primeiros emojis nasceram no Japão, o berço da cultura Kawaii, um termo que significa gracioso, adorável, fofo e que faz referência ao universo pop criado no país. Emojis tendem a trazer leveza para a conversa, nos permitindo ter sempre pronto uma resposta calorosa. Quando temos que reagir à enésima foto de bebê no grupo Whatsapp da família, emojis com coração e carinhas meigas manifestam nosso carinho de forma fácil e conveniente. Dentro do contexto profissional, um aviso de atraso na reunião acompanhado de um sorriso piscando o olho insinua que o atraso não é tão grave e dá menos espaço para uma repreensão.

Cultura Kawaii

Emojis são também linguagem dos inside joke: Sua linguagem pop, infantil e visual é uma licença criativa para sermos mais brincalhões, e brincar com seus significados ocultos. Nesse sentido, eles são muito mais complexos do que parecem, já que podem ser interpretados de formas muito diferentes dependendo do contexto, do grupo de amigos e da cultura. O simples uso de emojis dá vida a conversas que giram em torno dos próprios emojis. Por isso, pessoas mais velhas os tendem a usar com menos agilidade, já que muitas vezes apenas captem seu significado mais literal, enquanto jovens os usam de forma maleável e mais subversiva. Para a geração Z, eles são de fato uma verdadeira linguagem e não apenas ornamentos no final da frase.

Mais uma distração para nosso dia-a-dia?

OK. emojis são democráticos, fofos e divertidos, mas sou também tentada a pensar que emojis infantilizam e esterilizam nossas trocas. Afinal, não seriam uma prova que estamos nos tornando cada vez mais fúteis e limitados? Todos os dias, perdemos tempo buscando o emoji certo para reagir a uma mensagem, ou acompanhar uma postagem, mas o que de fato isso acrescenta? Estamos perdendo a capacidade de escrever palavras sem erros de ortografia, mas abusamos de carinhas e de corações usados no automático, ao ponto de não sabermos mais avaliar a sinceridade das reações das pessoas. Nós protegemos das reações negativas terminando todas nossas frases com ;), por medo de parecer rude demais, ou de perder um like.

A nova Esperanto

Mas, não adianta querer voltar a tempos que já não existem mais. Cartas pelo correio morreram, não sabemos mais escrever, e “afofuzamos” nossas mensagens com emojis. Mas também usamos todas as ferramentas disponíveis de forma complexa, culturalmente rica e criativamente cheia de possibilidades. Nenhum gif, meme ou emoji de coração é descartado por ser considerado demasiado bobo ou desadequado, isso porque removemos qualquer tipo de regra ou contradição. É a era da cultura mashup: tudo se mistura e tudo vale quando o assunto é auto-expressão. A proliferação de novos emojis adaptados às culturas locais, minorias e comunidades acrescentam uma camada de complexidade e riqueza para a nova linguagem universal. E acredite ou não, existem competições de poesias — originais e traduzidas — escritas inteiramente com emojis. Temos hoje mais de 3000 emojis registrados oficialmente, e o número não para de crescer. Estamos de fato criando a nova Esperanto, só que diferentemente da língua internacional criada artificialmente, ela é de fato usada e entendida por bilhões de nativos digitais, do Vietnã ao Canadá. Ficar de fora é fechar o olho para a globalização e recusar a modernidade, com tudo de bom e ruim que ela tem a oferecer.

Emojis feministas
Emojis-Poesias

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Carmen Beer

French-Brazilian cultural and brand strategist, living in São Paulo. I like to write about motherhood, food, pop culture and many other things.