Os 3 primeiros meses do resto da minha vida

Carmen Beer
8 min readOct 23, 2020
Credits: Andriyko Podilnyk, Unsplash

Nada me preparou para viver os primeiros meses com minha bebê. A minha vida ficou de cabeça para baixo, mergulhei no caos emocional e aprendi tudo do zero. Com minha filha completando os fatídicos 3 meses, sinto o alívio de quem sobreviveu um furacão e pode começar a construir uma nova vida, na qual eu sou mãe. Entre os muitos desafios vividos, trago aqui algumas reflexões sobre a maternidade, entre elas o turbilhão de mudanças na volta para casa, o mito do instinto maternal, a sensação de perda de identidade e a decisão não tão simples de amamentar.

“Bem-vindo ao caos”

A volta para casa da maternidade é um soco na cara. Sem transição, voltamos 36 horas após o parto com um bebê nas mãos. Éramos dois, agora somos três. Eu que nunca tinha trocado uma fralda, de repente, preciso cuidar de um ser vulnerável em todos os sentidos, sem manual de instruções. Tudo é novidade e preocupação. Nos fazemos a mesma pergunta inúmeras vezes para tudo que nossa bebê faz: é normal? É medo de dar banho, medo de deixar cair, medo dela parar de respirar. Os choros estridentes são aterrorizantes. Como um ser tão pequeno pode gritar e chorar tanto? É sofrer junto quando ela chora, e ao mesmo tempo é culpa de não aguentar mais ficar perto.

Cuidar de um recém-nascido é frustrante e laborioso: descobrindo o mundo e a si mesmo, ele é regido apenas por sensações. Na maioria das vezes, você não sabe o que ele quer e ele também não. Chorar é sua única forma de se expressar. Ele é inconveniente, não tem horários, e não quer saber dos seus. Os últimos meses têm sido a maior lição de paciência, perseverança e humildade. Paciência para ninar no colo por horas e horas, perseverança para não desistir de colocá-la para dormir mesmo depois de infinitas tentativas, e humildade para aceitar os erros e pedir ajuda quando não dou mais conta. O mais difícil seja talvez aceitar que o desenvolvimento do bebê não é uma curva ascendente e sim uma montanha-russa de altos e baixos: passos pra frente são seguidos de passos pra trás, vitórias são seguidas de derrotas, dias bons seguidos de dias péssimos.

Baby blues, depressão ou hormônios, não sei que nome dar ou quem culpar, mas senti uma confusão de emoções intensas. Descobri que a privação de sono leva rapidamente à insanidade e nunca dei tanto valor a uma noite bem dormida. Todos os amigos que já passaram por esse momento dão o mesmo conselho: “vai passar”. Virou o meu mantra quando batia a vontade de devolver o bebê na maternidade e sair correndo.

“Será que eu tenho instinto maternal?”

Com as crises de choro da minha bebê, tive a sensação de estar fazendo tudo errado. Os conselhos e opiniões contraditórios que ouço por todos os lados não ajudam. Devo seguir a “livre demanda” ou a mamada a cada três horas? Deixo a bebê dormir no colo ou imponho o berço? Deixo ela dormir ou acordo se passar da hora? Muitos amigos falam que eu devo seguir meu instinto maternal, mas fico na dúvida se eu tenho esse instinto. Por outro lado, sou bombardeada nas redes sociais por consultores que prometem me tornar uma mãe perfeita com métodos milagrosos. Resolvi testar e assisti a um curso online, para melhorar as sonecas da minha bebê. Não obtive os resultados imaginados: o pouco de confiança que ainda tinha em mim se evaporou. Fiquei ainda mais ansiosa, obcecada em fazê-la dormir a cada duas horas e me impondo uma rotina neurótica que não tinha a ver comigo.

No meio de tantas orientações confusas, guardei apenas dois conselhos tão simples quanto poderosos que recebi de amigas mães. O primeiro foi ‘vai no feeling’. Por mais bobo que pareça, a ideia de simplesmente seguir minha intuição desmistificou o instinto maternal e me ajudou a tomar decisões. O segundo conselho foi: ‘torne a sua vida mais fácil”. Entendi que mais do que fazer aquilo que é considerado o melhor para minha bebê, eu tenho que fazer aquilo que é melhor para mim. Com esses dois conselhos em mente, parei o curso, parei de ouvir os outros e passei a acreditar em mim. Deu certo. Roubando o conceito do psicólogo infantil Donald Winnicott, eu decidi ser uma mãe “suficientemente boa”, e não uma mãe perfeita.

“Minha vida nunca mais será igual.”

A ficha caiu por volta dos 2 meses, quando a adrenalina da novidade passou e a nova rotina se instalou: agora em diante, sempre terá uma pessoa dependente de mim. A minha filha é minha prioridade. Me senti realmente adulta pela primeira vez na minha vida e com isso, nunca senti tanta ansiedade e desconforto. Ansiedade pela responsabilidade imensa que significa tudo isso, e desconforto por não saber mais quem eu sou. Mesmo com a minha bebê dormindo agora noites completas, nunca mais tive um sono leve e despreocupado.

O famoso síndrome da impostora que mulheres sentem no trabalho também é real na maternidade. Me vejo em fotos segurando minha bebê ou empurrando o carrinho e penso: essa sou eu? Moldar minha nova identidade tem sido um processo confuso acompanhado de muitos questionamentos: que mãe eu quero ser? Até que ponto preciso ‘me esquecer’ para dar espaço a essa nova mãe nascendo? Me tornei uma pessoa menos interessante agora que minha vida gira em torno do meu bebê? A comparação com outras mães é inevitável: ao mesmo tempo que elas formam minha nova rede de apoio, tenho medo dos julgamentos e de não estar à altura perto de outras “mãezonas”.

Comecei a entender que ser mãe 100% não é algo que me deixaria realizada: cuidar de um bebê tem muitos momentos gostosos, mas também envolve tédio e solidão. Tenho imenso prazer em passar tempo com minha filha, mas não todo o meu tempo. Preciso de uma pausa das trocas de fraldas e das mamadas que se repetem sem fim. A solução foi contratar uma babá, mas não foi fácil no início deixar minha bebê nas mãos de outra pessoa. Me senti aliviada por ter mais tempo para mim, mas a culpa bateu forte: estou sendo uma boa mãe deixando minha filha sob os cuidados de outras pessoa, enquanto dou uma escapada no salão para fazer as unhas? Mas ao final, ser “mãezona” não significa se sacrificar pelos filhos. Como uma amiga me fez perceber, sinto que sou uma melhor mãe quando tenho tempo para desempenhar outros papéis, tendo assim mais prazer em compartilhar momentos preciosos com minha filha.

“Amamentar: bom para o bebê com certeza, mas e para a mãe?”

A amamentação é uma peça central dessa nova etapa de vida que começa, e muito simbólica do vínculo intenso entre a mãe e o bebê.

Para o bebê, fica claro desde os primeiros instantes de vida que mamar é uma pulsão vital. Minutos depois da minha bebê nascer, com os olhos apenas abertos, a primeira coisa que ela fez foi procurar o bico. Rapidamente, percebo que ela procura meu peito não só quando está com fome, mas também quando quer reconforto, quando tem sono, ou qualquer outro motivo que a deixa inquieta. Nesses primeiros instantes de vida, meu peito representa tudo para ela. Mais do que fonte de alimento, é uma forma dela voltar para o útero e se sentir acolhida.

Se do ponto de vista do bebê a amamentação só tem benefícios, para a mãe o processo inicial é desgastante. Ouço relatos de mães que têm seus bicos rachados, ou, não tendo leite o suficiente, ficam aflitas porque seus bebês perdem peso. Por sorte, nenhum dos dois aconteceu comigo, mas eu sofri com a intensidade com a qual fui solicitada. Nas primeiras semanas, a minha bebê me sugou literalmente, procurando desesperadamente o peito a todo minuto o que me fez sentir despossuída do meu próprio corpo. A amamentação também veio acompanhado de surpresas: a boa é que tanta demanda me fez perder os quilos da gravidez em tempo recorde. Por outro lado, eu passei a acordar às cinco da manhã com o peito dolorido e transbordando de leite, me sinto uma vaca leiteira cada vez que eu ordenho leite com a bombinha e eu tenho agora um peito maior que o outro.

Pensei em desistir muitas vezes, mas com o tempo passando, a minha bebê foi naturalmente se desapegando e as mamadas foram se regularizando. Comecei a sentir o prazer do qual tantas mães falavam. Hoje, amamentar representa um momento especial: um momento meu e dela, e de ninguém mais. Não vejo mais motivos para parar tão cedo e acho que vou sentir saudades quando passar essa fase. Mesmo assim, vejo uma pressão imensa no meu entorno e das próprias mães para amamentar, mesmo quando envolve dor ou quando a mulher simplesmente não quer. E no dia-a-dia, ainda não me acostumei com o fato de que meu peito virou utilidade pública (o zelador do meu prédio me comprimenta perguntando se ‘a pequena está mamando bem” ou me lembrando de ‘comer bem para ter muito leite’.) Mais uma vez, vejo a importância da mãe pensar no seu próprio bem-estar sem se sacrificar: amamentar é uma escolha que tem ser prazerosa para a mãe, e não só benéfica para o bebê.

"A vida como você a conhece… terminou. Não tem volta. Mas eles aprendem a andar, e aprendem a falar… e você quer estar com eles. E eles acabam se tornando as pessoas mais incríveis que você vai conhecer na sua vida."

Bob Harris (Bill Murray) — Encontros e Desencontros

Os três meses passaram, e sobrevivemos: temos uma bebê viva e saudável! Considero um milagre ver minha filha sorridente no berço toda manhã, e rio comigo mesma quando lembro que tinha medo de trocar fralda. Sabe de nada, inocente.

É fato, eu nunca mais terei minha antiga vida de volta e tenho que aprender a lidar com novas angústias. O caos do começo passou, mas a montanha russa continua. De vez em quando, ainda dá vontade de devolvê-la para a maternidade. Mas acima de tudo é muito amor, orgulho, e gratidão. Só de pensar nela tenho saudades e fico maravilhada com as coisas mais banais que ela faz. Gosto da ideia que minha vida não será mais a mesma, e que eu vou ser responsável por fazer essa pessoa crescer, se tornar gente, passar por todas as etapas de um ser humano. Mais que feliz, me sinto empoderada pela missão que me aguarda. Ainda estou me encontrando como mãe, e provavelmente não serei aquela mãe coruja que dedica todo o seu tempo aos filhos, mas uma coisa é certa: a minha nova vida gira em torno dela, e tudo bem.

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Carmen Beer

French-Brazilian cultural and brand strategist, living in São Paulo. I like to write about motherhood, food, pop culture and many other things.